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Direito Portugues

Nacionalidade Portuguesa - Quem perdeu e quem pode recuperar a nacionalidade portuguesa

Comentário à Lei Orgânica nº 1/2004, de 15 de Janeiro

Foi publicada, em 15 de Janeiro de 2004, a Lei Orgânica nº 1/2004, que alterou 30º e 31º da Lei da Nacionalidade, estabelecendo novas regras para a reaquisição e aquisição da nacionalidade portuguesa pelos cidadãos que a perderam por terem adquirido uma nacionalidade estrangeira por efeito da vontade.

Nos termos do artº2º da Lei nº 74/1998, de 11 de Novembro, este diploma entrou em vigor no continente em 20 de Janeiro, nos arquipélagos da Madeira e dos Açores em 30 de Janeiro e em Macau no no estrangeiro em 14 de Fevereiro. As informações que nos têm chegado são no sentido do mais completo alheamento relativamente a este importante diploma.

Consultamos, entre outros, os sites da Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas e de diversos consulados e nenhum contém informação sobre esta importante lei. O mesmo se verifica no site da Conservatória dos Registos Centrais, onde nenhuma alusão se lhe faz.

Bem pelo contrário, todas as informações que encontramos em sites oficiais ignoram-na e mantêm válida para o tempo anterior à sua vigência.

Mas, afinal, porque é que esta lei, apesar de ser de muito má qualidade técnico-jurídica, é importante?

No quadro da anterior Lei da Nacionalidade (Lei nº 2098, de 29 de Julho de 1959) perdiam a nacionalidade portuguesa as mulheres que casassem com cidadãos estrangeiros e qualquer cidadão português que adquirisse nacionalidade estrangeira.

A Lei nº 37/81, de 3 de Outubro, veio alterar esse regime, permitindo que os portugueses pudessem adquirir a nacionalidade de um outro estado sem perder a portuguesa, sem prejuízo, todavia, dos efeitos da referida Lei nº 2098.

Para os que haviam perdido a nacionalidade portuguesa, nos termos daquele diploma, passou a Lei nº 37/81, de 3 de Outubro, a permitir a aquisição da nacionalidade, mas sujeitando-os a um muito difícil e complexo processo, que, em muitas situações inviabilizava, pura e simplesmente o pedido.

Em qualquer destas situações, o cidadão era plenamente equiparado a um estrangeiro candidato à aquisição da nacionalidade portuguesa por efeito da vontade, mormente no que respeita à indispensabilidade de prova da ligação efectiva à comunidade portuguesa, e à possibilidade de oposição do Ministério Público se o cidadão houvesse sido condenado pela prática de crime punível com prisão superior a três anos, segundo a escala penal portuguesa, ou tivesse exercido funções públicas ou prestado serviço militar obrigatório a Estado estrangeiro.

Dizia o artº 31º, agora modificado, o seguinte:

"Os que, nos termos da Lei nº 2098, de 29 de Julho de 1959, e legislação precedente, perderam a nacionalidade portuguesa por efeito da aquisição de nacionalidade estrangeira podem adquiri-la mediante declaração, sendo capazes".

À primeira vista, seria tudo muito simples: bastaria uma declaração de vontade, para que o cidadão que adquiriu uma nacionalidade estrangeira e (muitas vezes sem o saber) perdeu a nacionalidade portuguesa, pudesse adquirir a condição de português.

Mas, na realidade, não era assim, porque da interpretação conjunta da Lei e do Regulamento resultou, durante anos, a conclusão de que aqueles casos haveriam de ser tratados nos precisos termos com que eram tratados os pedidos de aquisição de nacionalidade por estrangeiros.

Ao longo de mais de vinte anos, os dignitários portugueses conviveram com uma situação muito incómoda. Atribuíram medalhas e condecorações a dezenas de figuras relevantes das comunidades portuguesas no estrangeiro, que afinal não eram portugueses, porque se haviam naturalizado.

Alguns desses cidadãos só constataram tão grande deslealdade quando os seus filhos acorriam a peticionar a atribuição da nacionalidade portuguesa e a Conservatória dos Registos Centrais recusava o pedido com o fundamento de que o requerente não era filho de cidadão português.


Esta lei vem, de forma algo atabalhoada, evitar esse problema.


Temos, no essencial, três quadros novos:


I. No que se refere às mulheres que perderam a nacionalidade portuguesa por terem casado com cidadão estrangeiro, fala a nova lei de reaquisição da nacionalidade, o que só pode interpretar-se como repristinação da qualidade de cidadão nacional que perderam com o casamento. Diz o nº 1 do artº 30º da Lei da Nacionalidade, agora introduzido, que "a mulher que (...) tenha perdido a nacionalidade por efeito do casamento pode readquiri-la mediante declaração, não sendo, neste caso, aplicável o disposto no artº 9º e 10º, ou seja, não podendo o Ministério Público opôr-se a tal pedido.

Temos, assim, que concluir que a reaquisição da nacionalidade depende de uma declaração da mulher que a perdeu e que, de outro lado, os serviços do Registo Civil podem e devem continuar a registar a perda da nacionalidade das mulheres portuguesas que casaram com estrangeiros na vigência da Lei nº 2098 desde que elas não façam tal declaração.


II. O segundo quadro diz respeito aos cidadãos que perderam a nacionalidade portuguesa porque adquiriram outra nacionalidade, sem que, porém, tenha sido processado o respectivo registo.

O que o legislador vem dizer é que nos casos em que não se processou um registo definitivo da perda da nacionalidade, com aquele fundamento, o cidadão adquire a nacionalidade portuguesa, a não ser que venha a dizer que não a quer adquirir.

Temos alguma dificuldade em qualificar a metodologia usada para superar as chamadas "crises dos comendadores", dos tais compatriotas nossos que, sendo embora tratados e respeitados como portugueses, vinham a descobrir, em dado momento, que não o eram.

Poderia o legislador ter recorrido à figura da caducidade, declarando caduco o direito de proceder ao registo da perda da nacionalidade e repristinando os direitos do cidadão com referência à data do facto gerador da referida perda.

O que fez foi decretar uma "aquisição voluntária forçada" da nacionalidade portuguesa, nos casos em que não se procedeu ao registo definitivo da perda da nacionalidade.
Diz o novo texto do artº 31º,1:

"Quem, nos termos da Lei nº 2098º, de 29 de Julho de 1959, e legislação precedente, perdeu a nacionalidade portuguesa por efeito da aquisição voluntária de outra nacionalidade estrangeira, adquire-a:

a) Desde que não tenha sido lavrado o registo definitivo da perda da nacionalidade, excepto se declarar que não quer adquirir a nacionalidade portuguesa;

b) Mediante declaração, quando tenha sido lavrado o registo definitivo da perda da nacionalidade."
E diz o nº2:

"Nos casos referidos no número anterior não se aplica o disposto nos artºs 9º e 10º".

Decorre do texto da Lei que nos casos de perda da nacionalidade relativamente aos quais não tenha sido ainda feito um registo definitivo, haverá, sem prejuizo de tal perda e da indispensabilidade do seu registo, uma aquisição automática da nacionalidade, sem necessidade de intervenção do interessado.

Estamos perante um quadro de aquisição da nacionalidade portuguesa por um cidadão estrangeiro e por efeito da vontade mas ope legis, só relevando a vontade individual se ela for contraditória.

Decorre do preceito, a necessidade de registar a perda da nacionalidade nos casos em que se detectarem os seus pressupostos, mas também e em simultâneo, a referida "aquisição forçada" da nacionalidade, sem que haja necessidade de qualquer intervenção do interessado, excepto se ele se quiser opôr.


III. Terceiro quadro é o dos cidadãos relativamente aos quais tenha sido feito um registo definitivo de perda da nacionalidade portuguesa. Se estes quiserem adquirir a nacionalidade - e não reaquirir porque a lei o não permite - devem declará-lo. A única diferença que o novo regime importa por relação a regime anterior a esta lei é a de que não pode haver oposição da parte do Ministério Público ao pedido.

Em tudo o mais mantêm-se as dificuldades que vigoravam no regime anterior à entrada em vigor da Lei Orgânica nº 1/2004, de 15 de Janeiro.

O legislador poderia ter optado por tratar estes cidadãos como portugueses de origem, repristinando-lhes a nacionalidade portuguesa originária, até para repor a igualdade relativamente aos que adquiriram nacionalidade portuguesa por efeito da vontade depois da entrada em vigor da Lei nº 37/81 (Lei da Nacionalidade).

O que fez, deliberadamente, foi tratá-los como cidadãos estrangeiros a quem é dada a oportunidade de adquirir (ex-nunc, embora com efeitos retroactivos) a nacionalidade portuguesa, com as implicações que isso importa, nomeadamente, no plano dos direitos políticos. Só para dar um exemplo, um cidadão binacional, originariamente português que se naturalizou em 1985, ou o filho de um cidadão português nascido no estrangeiro, que peticionou a atribuição da nacionalidade, podem candidatar-se a Presidente da República, porque são portugueses de origem. Os cidadãos que perderam a nacionalidade no quadro da Lei nº 2098 e agora a venham a adquirir não podem, porque não são portugueses de origem, sendo antes estrangeiros que adquiriram a nacionalidade portuguesa por efeito da vontade.

É importante salientar que ficaram de fora deste regime os casos dos cidadãos que foram forçados a naturalizar-se pelos governos dos países de acolhimento. A naturalização forçada ocorreu, em diversas épocas, nomeadamente no Congo, no Brasil, na Venezuela e na Argentina, onde era legalmente impossível desenvolver um negócio se não se adquirisse a qualidade de nacional.

Com nuances de país para país, os nossos compatriotas foram colocados na situação de terem que optar pela naturalização, como forma única de continuidade dos seus negócios, ou pela perda dos bens e pela expulsão do país, onde as respectivas autorizações de residências estavam vinculadas aos respectivos estabelecimentos.

Estas situações são, a nosso ver, as que melhor atenção exigiriam, pois que, nestes casos os nossos compatriotas não agiram com vontade livre.

Relativamente a estes casos mantêm-se em vigor o disposto no artº 32º da Lei da Nacionalidade, que dispõe o seguinte:


"É da competência do Tribunal da Relação de Lisboa a decisão sobre a perda ou manutenção da nacionalidade portuguesa nos casos de naturalização directa ou indirectamente imposta por Estado estrangeiro a residentes no seu território."

O Regulamento da Nacionalidade dispõe, a propósito, no artº 45º:

"1 - O português que, no domínio da lei anterior, tiver adquirido outra nacionalidade, mediante naturalização que lhe tenha sido directa ou indirectamente imposta, e quiser manter a nacionalidade portuguesa, deve requerê-la ao Tribunal da Relação de Lisboa, em requerimento instruído com os elementos de prova ao seu alcance e apresentado na Conservatória dos Registos Centrais. 

2 - Recebido o requerimento, acompanhado dos documentos que lhe respeitem, o conservador solicitará informação ao Ministério dos Negócios Estrangeiros. 

3 - Junta a informação a que se refere o número anterior e efectuadas quaisquer outras diligências complementares que tenha por conveniente, o conservador remeterá o processo, com o seu parecer, à Relação de Lisboa. 

4 - Na fase judicial é aplicável ao processo, com as adaptações necessárias, o disposto no artigo 25º a artigo 28º."

Estes cidadãos perderam a nacionalidade no quadro da Lei nº 2098, só a podendo recuperar por via de processo judicial a instaurar no Tribunal da Relação de Lisboa.


Importa deixar, a finalizar, algumas notas práticas sobre o regime processual da aquisição da nacionalidade pelas pessoas abrangidas por esta alteração legislativa.

Com excepção dos cidadãos que perderam a nacionalidade por terem adquirido outra, por efeito da vontade, no quadro da Lei nº 2098 e cujos registos não tenham sido processados, continua a ser indispensável a organização de um processo de aquisição de nacionalidade por efeito da vontade, regulado pelo artº 22º do Decreto Lei nº 322/82, de 12 de Agosto que estabelece o seguinte:

“1 - Todo aquele que requeira registo de aquisição da nacionalidade portuguesa, por efeito da vontade ou por adopção, deve: 

a) Comprovar por meio documental, testemunhal ou qualquer outro legalmente admissível a ligação efectiva à comunidade nacional; 

b) Juntar certificados do registo criminal, passados pelos serviços competentes portugueses e do país de origem; 

c) Ser ouvido, em auto, acerca da existência de quaisquer outros factos susceptíveis de fundamentarem a oposição legal a essa aquisição.

2 - O conservador dos Registos Centrais pode, a requerimento do interessado, fundamentado na impossibilidade prática da produção dos documentos a que se refere a alínea b) do número anterior, dispensar a junção deles, desde que não existam indícios de verificação do fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa que esses documentos se destinavam a comprovar.

3 - Se o conservador dos Registos Centrais tiver conhecimento de factos susceptíveis de fundamentarem a oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa, deve participá-lo ao Ministério Público junto do Tribunal da Relação de Lisboa, remetendo-lhe todos os elementos de que dispuser.”


Não sendo admissível a oposição do Ministério Público ao pedido de aquisição de nacionalidade pelos cidadãos que perderam, não nos parece que tenha alguma justificação exigir a estes cidadãos que façam prova da sua ligação efectiva à comunidade portuguesa ou que tenham que juntar certificados de registo criminal cuja única utilidade era a de aferir de um dos fundamentos de oposições previstos no artº 9º da Lei da Nacionalidade.

De qualquer modo, ao contrário do que foi dado a entender por alguns políticos a lei não é ingénua na solução do problema do grupo de cidadãos atingidos. A aquisição da nacionalidade está sujeita a emolumentos correspondentes à aquisição de nacionalidade por efeito da vontade.

O facto de a Lei ser imprecisa e de não se ter mexido no Regulamento vai trazer dificuldades que só por via da alteração deste se resolverão.

20/01/2004
(Texto não atualizado)

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